Niède Guidon revolucionou a arqueologia e lutou pela Serra da Capivara
Cientista franco-brasileira ganhou destaque mundial ao revolucionar a teoria da ocupação humana nas Américas
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Siga noMorreu nesta quarta-feira (4/6) a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, aos 92 anos. Um dos nomes mais importantes da ciência brasileira, ela ficou mundialmente conhecida por contestar a teoria de que o ser humano teria chegado ao continente americano há cerca de 13 mil anos. Niède também foi responsável pela fundação e preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
Graduada em História Natural pela Universidade de São Paulo em 1959, Niède Guidon especializou-se em Arqueologia Pré-Histórica na Universidade Paris-Sorbonne, em 1962. No ano seguinte, ao organizar uma exposição sobre arte rupestre no Museu do Ipiranga, em São Paulo, ouviu falar que “desenhos” semelhantes estavam em paredões no Nordeste. Em 1964, no contexto do golpe militar, exilou-se na França e deu continuidade aos estudos.
Na década de 1970, Guidon viu a oportunidade de retornar ao Brasil e organizou uma missão de pesquisa em busca de sítios arqueológicos. Em 1980, seus achados no Boqueirão da Pedra Furada, localizado na Serra da Capivara, indicaram presença humana entre 50 mil e 100 mil anos atrás — muito antes da data então aceita pelo paradigma Clovis como a primeira ocupação humana no continente.
Os achados no Piauí foram publicados na revista Nature, mas nunca foram totalmente aceitos pelos especialistas da área. "Niède Guidon mostrou que a presença humana no continente poderia ser muito mais antiga do que postulavam os arqueólogos norte-americanos, que eram quem sempre contavam essa história", disse Bernardo Esteves, repórter da revista Piauí e autor do livro "irável Novo Mundo: uma história da ocupação humana nas Américas" (Companhia das letras).
O paradigma sustentava que o ser humano chegou às Américas na última era glacial, quando o estreito de Bering estava congelado, formando uma agem terrestre entre a Sibéria e o Alasca há cerca de 13 mil anos. “O paradigma de Clóvis foi desbancado no final dos anos 1990, e mostrou que Niède podia estar certa. Ela trouxesse contribuições importantes e desafiou o consenso arqueológico da época, ajudando a derrubar esse consenso”, ressaltou Esteves.
Serra da Capivara
Em 1979, Niède Guidon liderou o movimento para a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara e dedicou sua vida à preservação do patrimônio da região, onde suas pesquisas revolucionaram a ciência. Sua atuação garantiu ao parque o reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1991.
Bernardo Esteves destaca que Guidon teve uma "luta incansável” para manter de pé a Serra da Capivara. "Ela teve um esforço individual muito grande para isso. A gente pode dizer que sem a atuação dela esse parque não existiria", completou.
Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Niède Guidon identificou mais de 700 sítios pré-históricos, entre os quais 426 paredes de pinturas antigas e evidências de habitações humanas antigas na área da Serra de Capivara, no Piauí.
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Ao longo de sua carreira, a arqueóloga foi condecorada com a Ordem do Mérito Científico, Grã-Cruz, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); além de ter recebido o Green Prize, da organização pacifista e ecológica Paliber; o Prêmio Príncipe Claus, do governo holandês; o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Cultura; o prêmio Cientista do Ano, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e o Prêmio Chevalier de La Légion d'Honneur, do governo francês.
A última homenagem ocorreu no ano ado, com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, concedido anualmente pelo CNPq, MCTI e Marinha do Brasil a cientistas que contribuíram de forma significativa para a ciência e tecnologia do país.
Repercussão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a ciência brasileira ficou mais triste com o falecimento de Niède Guidon. “Ela nos ajudou a entender as origens do homem no continente americano. Sua atuação foi fundamental para transformar a Serra da Capivara em patrimônio cultural da humanidade e para levar ao mundo o conhecimento sobre as riquezas pré-históricas de São Raimundo Nonato, no Piauí”, declarou.
A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, destacou que Niède Guidon foi uma pioneira na popularização da ciência no Brasil e um exemplo que “seguirá nos iluminando”.
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O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, lembrou dos seus encontros com a arqueóloga. "Graças a Niède, o Piauí ou a ser reconhecido internacionalmente não só por seu valor arqueológico, mas também como exemplo de como cultura gera educação, turismo e dignidade para o povo", ressaltou.
O governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), decretou luto oficial de três dias. "Niède dedicou sua vida à ciência e à preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, transformando o Piauí em protagonista global na conservação da natureza e do patrimônio cultural da humanidade", destacou.