Formado em Comunicação Social pela PUC-MG, com pós-graduação em Comunicação Digital pela mesma instituição. Criador do projeto A Cena na Quarentena, com uma série de entrevistas realizadas com artistas de diversas áreas durante a pandemia (todas disponív
Obra de Gabriel Araújo Soares, o Riel, que apresenta sua primeira individual, 'Insegurança pública', inspirada na realidade da periferia de BH crédito: Riel/reprodução
As marcas da desigualdade social e racial, bem como a truculência policial, sempre estiveram presentes na vida do artista visual Riel, nome artístico adotado por Gabriel Araújo Soares. Isso explica o teor das obras que ele apresenta em sua primeira exposição individual, “Insegurança pública”, que será aberta nesta sexta-feira (13/6), no Centro Cultural UFMG, com nove pinturas e duas esculturas.
Em todas as telas há a presença de militares, da polícia ou do Exército, em confrontos ou em imagens que trazem referências históricas do período da ditadura. Prestes a concluir o curso de artes visuais na UFMG, com habilitação em pintura, Riel mora no Bairro São Gonçalo, na Região Norte de Belo Horizonte. O trânsito entre a periferia e o ambiente elitista das galerias escancarou o abismo social que inspira a mostra.
A percepção dessas diferenças, aliás, vem de antes. “Sou de família mestiça, metade é preta. Uma coisa que sempre reparei é na diferença de tratamento no dia a dia. A parte mais clara da família fez universidade, a mais preta foi para o trabalho informal”, diz. Ele cita o tio caminhoneiro, cuja imagem utilizou em uma das telas, substituindo a do estudante em confronto com militares nos anos de chumbo.
Riel destaca a violência desproporcional, rotineira na região em que mora, em comparação com áreas mais nobres da cidade. “Curso artes visuais, um meio muito elitista, e percebo o contraste que me causa indignação. Resolvi colocar isso no meu trabalho.”
Violência policial é tema da pintura de Riel Riel/reprodução
O conjunto de pinturas de “Insegurança pública” revela amadurecimento no que diz respeito a essas percepções e à forma como o artista aborda temas que lhe são caros, observa.
“Com o tempo, notei que estava retratando muito a opressão. Parei para pensar em que mensagem estava querendo ar. Comecei a pegar imagens de confronto, de embate, em que os oprimidos revidam. A gente não tem de ser submisso ou omisso. A reação é legítima, não só com violência, mas também por meio dela, se necessário”, ressalta.
O texto de apresentação da mostra diz que ela carrega a “denúncia explícita”. Com efeito, em “Insegurança pública”, a metáfora ou a sugestão cede espaço para representações objetivas da violência, com imagens claramente reconhecíveis. Muitas vezes, manchas ou borrões escondem os rostos dos personagens – no caso de agentes públicos de segurança, como forma de apontar a impunidade da violência policial.
Riel diz que a ideia é dar “uma sacudida” em que vê suas obras. “Quis ser explícito, ser óbvio, fazer um negócio em que qualquer pessoa bate o olho e sabe o que é, sem precisar de bagagem artística. É para todo mundo, inclusive convidei minha galera do bairro, que não está acostumada a frequentar exposição, para a abertura”, conta.
Riel, de 30 anos, revela que sofreu episódios de violência na infância, algo que ainda carrega consigo. “A violência faz parte da minha vida, não é só algo com que trabalho na arte”, afirma.
Polícia Federal
Sincero, diz que entrou para o curso de artes visuais para ter formação superior, o que facilitaria o caminho para o concurso público.
“Contraditoriamente, minha meta era entrar na Polícia Federal. Sempre pensei em mudar as coisas ou pelo menos ajudar a mudar. Pesquisando durante o ensino médio, concluí que a Polícia Federal seria o melhor para mim, porque tem mais autonomia, até para investigar pessoas poderosas”, explica.
Durante o curso, sua relação com o universo das artes mudou, muito em função do professor Alan Fontes, de quem foi assistente.
“Ele me introduziu nesse meio. Gosto muito de pintar, digo que chega a ser terapêutico, porque é uma forma de expressar sentimentos que tenho. Também tem a coisa de ser o mercado em que circula muita grana, isso atrai. É um mercado muito fechado, que a gente da periferia não faz ideia do que seja”, ressalta.
Protestos ganham destaque em 'Insegurança pública', exposição de Riel que fica em cartaz até 6 de julho no Centro Cultural UFMG Riel/reprodução
Se as telas explicitam a violência, duas esculturas de Riel propõem um jogo sutil entre o ado e o presente. “Ossadas”, composta por peças de barro cobertas de tinta negra, é referência ao Cemitério de Perus, em São Paulo, onde mais de 1 mil vítimas da ditadura militar foram sepultadas clandestinamente.
Já “Constituição” é a reprodução da Carta Magna feita em aço inox, com simulação de ferrugem na capa e furos feitos por balas nas páginas internas.
“É uma crítica ao momento atual, à ascensão da extrema direita, à eleição de Bolsonaro e à tentativa de golpe. As páginas alvejadas fazem alusão ao enfraquecimento da democracia por dentro, porque a extrema direita chegou ao poder por vias legais, por meio de eleição”, diz Riel.
Exposição de Riel. Abertura nesta sexta-feira (13/6), às 19h, no Centro Cultural UFMG (Avenida Santos Dumont, 174, Centro). Abre de terça a sexta, das 9h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 9h às 17h. Entrada franca. Até 6 de julho. Informações: (31) 3409-8290.